terça-feira, 21 de agosto de 2012

Política de educação e o mural de diplomas

Saiu na Folha (15/8/12):

Com ensino médio estagnado, MEC já planeja mudanças no currículo
Segundo os dados referentes ao ano passado divulgados ontem, o ensino médio, antigo colegial, estagnou no país. A nota, que vai de zero a dez, considera o desempenho em português e matemática e também a taxa de aprovação dos estudantes (quantos passaram de ano).
Divulgado a cada dois anos, o índice estagnou em 3,4 no ensino médio público (majoritariamente oferecido pelos governos estaduais), o mesmo indicador de 2009, ainda que dentro da meta de 2011.
Na rede privada, por exemplo, a nota média nessa etapa de ensino foi de 5,7. A meta estipulada é de 5,8 (…)
Para o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, é grande o número de matérias obrigatórias no ensino médio - atualmente são 13 (...)
O desempenho dos alunos do ensino fundamental em escolas públicas foi mais animador.
Os estudantes do 5º ano do fundamental melhoraram e chegaram ao patamar que era esperado apenas para 2013: média 4,7


Imagine um mundo no qual os taxistas só saibam usar um dos três pedais do veículo. Uma nota 3,4 na nota do ensino médio é exatamente isso: aprenderam apenas um terço do que deveriam sair sabendo mas, mesmo assim, receberam a habilitação. As notas do ensino privado parecem melhores apenas porque as notas do ensino público são medíocres. Mas ainda assim são ruins. É como o nosso motorista privado saber usar apenas a metade das marchas do carro ou saber como ir em frente e virar à esquerda, mas não como dar ré e virar à direita.

Ninguém gostaria de ser passageiro nesse carro. Mas somos. Pior: pagamos por isso.

Qualidade de educação é questão de política pública e por isso vale apontar alguns elementos aqui.

O mercado de trabalho brasileiro vive a prevalência da cultura do diploma. Primeiro foi a do diploma colegial (ensino secundário), depois  a do universitário e nos último anos temos visto uma corrida pelos cursos de pós-graduação e mestrado. Em breve será doutorado. Todos têm ou querem ter. Deixam de ser diferencial e passam a ser classificatórios: sem uma graduação, pós ou mesmo mestrado você sequer é chamado para a entrevista de emprego.

E isso vem de uma cascata de falhas nas políticas públicas de ensino:

O primeiro é de qualidade: privilegiamos forma de ensino e não a qualidade do que é ensinado. Você tem um diploma, mas conhece o que deveria conhecer? Números como os acima mostram que a maior parte não aprendeu. Na verdade, o próximo nível de estudo está servindo não para avançar em relação à fase de estudo anterior, mas para suprir suas deficiências. Alunos entram nas faculdades não para saírem de lá sabendo o que universitários de outros países sabem, mas para aprenderem aquilo que deveriam ter aprendido no ensino secundário. E o mesmo vale para mestrados e doutorados.

A cultura do diploma é a cultura do problema alheio: se o aluno só aprendeu um terço do que deveria no secundário, desde que ele tenha recebido o diploma de conclusão, meu problema está resolvido. A universidade ou o mercado de trabalho que se encarreguem de ensinar os outros dois terços que deixei de ensinar.


Mas essa mesma cultura só faz o problema piorar. A nota geral do ensino primário foi 4,7 e no secundário foi 3,4 não porque o mesmo aluno tenha ficado menos inteligente, mas porque o ensino secundário não só tem de ensinar aquilo que deveria ensinar (e já não faz), mas também remediar as deficiências que herda do ensino primário. Daí não espantar que pouco mais de dez por cento dos bacharéis de direito sejam aprovados na prova do OAB (até agora o único curso com uma prova de aptidão profissional específica no Brasil). À medida que provas semelhantes forem surgindo para outros cursos (as escolas de medicina paulista planejam implantar algo em breve), veremos que o problema é generalizado.

O segundo problema: estamos privilegiando forma e não conteúdo. Se 13 matérias são adequadas ou não, é menos relevante do que se, em conjunto, cobrem aquilo que a vida e o mercado de trabalho demandam. Para continuar no exemplo do ensino jurídico, compare o ensino de direito no Brasil com o inglês ou americano: no Brasil o aluno estuda às vezes mais de 50 matérias. Lá fora, estudam por volta de uma dezena e meia. Às vezes, menos. Contudo, o fato de terem um histórico recheado de matérias e notas, não torna o bacharel em direito brasileiro melhor preparado, como mostram os resultados das provas da OAB e a dificuldade de profissionais brasileiros de competirem com seus pares estrangeiros ou mesmo as lacunas que demonstram em seus primeiros anos depois de formados. E o mesmo ocorre em outras profissões.

Na formulação de políticas educacionais na educação primária e secundária, a maior parte dos países desenvolvidos aprendeu três lições preciosas: primeiro, há matérias que são essenciais: não dá para sair sem saber. Como matemática e história. Segundo, o conteúdo precisa estar vinculado à realidade do aluno e seu mundo. Não adianta educar o aluno para o mundo de ontem. Presumindo que a maior parte dos alunos não entrará em uma faculdade, o que eles precisam saber para entrarem com sucesso no mercado de trabalho? E, terceiro, nem mercado de trabalho nem aluno vêm em ‘modelo único’. Eles têm necessidades e preferências diferentes, e a grade de matérias deve ser flexível para isso. Afora o grupo de matérias essenciais obrigatórias (como matemática e história, mencionadas acima), o aluno deve ter a possibilidade de escolher o que estudar de acordo com suas ambições acadêmicas e laborais, e suas aptidões e preferências. É perda de recursos financeiros e humanos obrigar todos os alunos a estudarem as mesmas coisas. Mas isso tem um custo e até hoje preferimos investir esses recursos no ensino superior.

O terceiro problema é de ordem financeira: a quem beneficia uma cultura educacional que privilegia diplomas em vez de conteúdo e qualidade? Certamente não é nem a sociedade nem os estudantes que se beneficiam de passar mais tempo estudando aquilo que não estão aprendendo e que possivelmente não irão utilizar. E uma boa parcela dos estudantes, especialmente classe média e baixa, é obrigada a pagar faculdades privadas para suprir as lacunas de conhecimento deixadas pelo ensino básico e médio, especialmente o público.

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