Julio Severo
Nasci depois de 1964 e passei a maior parte de minha infância sem saber e sem me importar com os eventos que começaram no Brasil em 1964,
em resposta à ameaça comunista. Apesar disso, a primeira vez que li
sobre comunismo foi num livro para estudantes, porém a abordagem não era
de forma alguma negativa.
Meus
anos como aluno de escola pública foram vividos em pobreza e eu não
tinha acesso a muitos livros. Mas os poucos que me eram acessíveis não
poupavam elogios à União Soviética[1] e ao comunismo. Por exemplo, uma enciclopédia escolar popular tentava me ensinar, até mesmo utilizando versículos da Bíblia[2],
que o socialismo é uma ideologia política preocupada com o bem-estar
das pessoas, principalmente em dar chances iguais para todas as
crianças. Além disso, a enciclopédia também apresentava o socialismo
como um “princípio cristão”[3],
utilizando como exemplo a “bela” manifestação de bondade que os
soviéticos demonstraram para com a Alemanha derrotada da I Guerra
Mundial. Enquanto países “capitalistas” como a França exigiam
indenizações pesadas do sofrido povo alemão, os comunistas soviéticos — de acordo com a Enciclopédia Mundo Juvenil — deram um tremendo exemplo de compaixão:
De
Moscou vinha a mensagem: “o governo entende e defende uma paz imediata e
sem anexações, isto é, sem conquista de territórios de outros países,
sem a submissão violenta de populações de outras nacionalidades e sem
indenizações”. Os soviéticos partiam do pressuposto de que não havia
lugar para a procura e o castigo de culpados. Responsáveis pela guerra
era o regime político que permitia que uns explorassem outros. Propunha a
reconstrução de que um mundo novo, sem oportunidades de desvios tendo
como alicerces o perdão no passado e a fraternidade no futuro.[4]
Para
a Enciclopédia Mundo Juvenil (EMJ), a União Soviética era a mãe de
todas as virtudes e seus soldados comunistas eram libertadores das
nações e representantes da paz, enquanto os EUA eram apresentados
negativamente como a fonte de todas as opressões mundiais e os soldados
americanos como invasores indesejados e destruidores desumanos.
Era
estranho: em pleno regime militar uma enciclopédia escolar ensinando
crianças a ver a União Soviética como um país de boas intenções e os EUA
como um país envolvido em “imperialismo expansionista”[5],
sempre com más intenções. Não era de surpreender esse proselitismo
ideológico. Afinal, jamais existiu país que mais pregasse e promovesse o
socialismo do que a União Soviética.
Apesar
de que os militares do Brasil não permitiam a livre expressão das
idéias comunistas, não era o que eu via como jovem e estudante. Parecia
que o Brasil já se encontrava dominado por uma ditadura comunista que
impunha como essencial cultivar o ódio aos EUA e o amor à União
Soviética. Não há dúvida de que mesmo nos anos militares a elite estava
desabafando, com muita liberdade, seus sentimentos através de material
estudantil e dando a impressão de que os esforços dos militares para
proteger o Brasil contra a ameaça comunista estavam impedindo o Brasil
de prosperar e experimentar todas as realizações do paraíso socialista
que os soviéticos estavam, supostamente, vivendo com tanta alegria, paz e
amor.
Em
pleno regime militar “anticomunista”, eu poderia facilmente ter
engolido as “doces verdades” da enciclopédia escolar com anzol, vara e
tudo o mais! O que me salvou de tal ilusão foi meu acesso, através de
igrejas e pastores evangélicos, a fontes cristãs que me informavam sobre
os sofrimentos dos cristãos que viviam em países comunistas. Eu era
pobre, mas sabia, como evangélico, que comunismo era sinônimo de
perseguição, opressão, destruição e morte. Em meados da década de 1980,
fiquei comovido com a situação de cristãos russos condenados a
trabalhos forçados na Sibéria. Com muito sacrifício, mandei cartas para
alguns e cheguei a escrever para o líder máximo da União Soviética.
A
EMJ mostrava a União Soviética como uma nação inocente, sempre ameaçada
pelos países capitalistas, e limitava-se a revelar eventos históricos
da maneira menos comprometedora possível para os socialistas: “Hitler
firmou com os soviéticos um pacto de não agressão. Em seguida, em 1 de setembro de 1939, atacando a Polônia, desencadeia a guerra”.[6]
Na verdade, hoje sabe-se que Hitler firmou com os “inocentes” e
“bondosos” comunistas soviéticos um acordo para invadir, repartir,
dominar e saquear a Polônia. Eles atacaram conjuntamente
a Polônia, desencadeando II Guerra Mundial. Assim, os nacionais
socialistas alemães e os comunistas da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas foram co-responsáveis pela maior guerra que o mundo já viu.
Pouco
tempo depois da invasão à Polônia, os dois regimes socialistas aliados e
criminosos se separaram em suas ambições e a Alemanha invadiu a União
Soviética, que acabou, com maciça ajuda americana, conseguindo rechaçar
os invasores alemães. Posteriormente, os soviéticos invadiram e
dominaram a Alemanha. Depois que a Alemanha já estava totalmente
subjugada e o nazismo derrotado, os soviéticos voltaram a se lembrar de
suas palavras sobre paz imediata, perdão e fraternidade, sem anexações e
sem conquista de territórios de outros países; sem a submissão violenta
de populações de outras nacionalidades e sem indenizações?
A
EMJ afirma: “Terminada a carnificina [da II Guerra Mundial],
verifica-se que a União Soviética apostara no socialismo e ganhara.
Agora as potências imperialistas tinham pela frente um povo organizado,
unido em torno de um ideal de fraternidade…”[7] Segundo o dicionário Aurélio, o termo fraternidade significa:
“Amor ao próximo; fraternização. União ou convivência como de irmãos;
harmonia, paz, concórdia, fraternização”. Para a EMJ, o comunismo havia
transformado a nação soviética em promotora do amor ao próximo, união,
harmonia e paz. Sua exposição positiva do socialismo era puro
proselitismo e, embora os comunistas soviéticos impusessem o ateísmo em
sua sociedade, a EMJ dava a impressão de que o socialismo soviético era o
próprio Evangelho e que os soldados soviéticos eram verdadeiros anjos
do amor ao próximo. Mas não se engane: o “evangelho” socialista não nunca foi melhor do que o “evangelho” nazista.
Esses
anjos de amor deixaram marcas profundas em milhões de pessoas
inocentes. Ninguém tem pena quando criminosos brigam e se matam uns aos
outros. Assim também, ninguém se importa com o fato de que criminosos
nazistas e comunistas tenham se matado na guerra. Mas pessoas inocentes
foram terrivelmente atingidas. Anos atrás, li a história de uma moça
alemã que presenciou a invasão soviética na Alemanha. Ela viu mulheres,
moças e meninas alemãs — de todas as idades e totalmente indefesas —
sofrendo diariamente nas mãos de soldados soviéticos, mesmo depois que a
guerra já havia terminado. A população civil alemã estava inteiramente
cativa de seus “libertadores”. Mais tarde, a moça alemã conseguiu fugir
para a zona ocupada pelos “capitalistas” americanos e, ao ser abordada
por tropas americanas, pensou que receberia o mesmo “tratamento” que as
tropas soviéticas estavam impondo a todas as mulheres. No entanto, os
soldados americanos a trataram com muito respeito, dando-lhe toda a
ajuda que ela precisava. Ela ficou impressionada de ver que, enquanto na
Alemanha Ocidental os americanos libertaram os alemães do nazismo e os
ajudaram a se levantar, na Alemanha Oriental os soviéticos escravizaram o
povo com crueldade maior do que o próprio nazismo havia feito.
Para
a Alemanha derrotada da I Guerra Mundial, a União Soviética — que não
foi um dos vencedores da guerra — ofereceu uma mensagem exemplar aos
países capitalistas vencedores pedindo compreensão, perdão e
fraternidade. Mas ao ser um dos vencedores da II Guerra Mundial, o que a
nação soviética ofereceu para a Alemanha derrotada? Na parte ocidental
da Alemanha, controlada pelos “frios capitalistas” americanos, houve
restauração, progresso e desenvolvimento, levantando a Alemanha para sua
posição de potência que é hoje. Contudo, o que houve na parte oriental
da Alemanha, controlada pelos comunistas soviéticos? É o que vamos ver
no artigo a seguir, traduzido e adaptado por mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário